3 de outubro de 2010

Urbano sólido

Ana depois de dez anos no seu novo lar, recebe habeas corpos e tem um dia de glória caminhando pelas estradas betumadas do conglomerado de jaulas organizadas pelas gentes inteligentes. Ela caminha, desde então, sem rumo, na sede de observar um pouco do mundo lá do lado de fora.

Caminhando pelas estradas viu de longe a imagem de um guerreiro e o seu fiel escudeiro São Jorge. Ele estava muito ocupado com as luzes do silaneiro e não viu o erguer da mão e o pedido de abraço- “me ensina um pouco de sua força”-.

Ana não se preocupou com o fato, pois guerreiros têm dessas coisas mesmo. São muito ocupados com o mundo e Ana não é ninguém a não ser mais uma dentre tantos seres existentes nesse mundo infinito de gente e coisas vivas e mortas.

Ana passou por vários lugares familiares. Visitou bibliotecas e encontrou vários escritos antigos, escritos que pareciam ter sido feitos a mais de dez anos, para si, e como se tivessem sido feitos por si também. Suspirou, abriu a janela e de lá observou várias imagens de sobreviventes do mundo.

Ana apesar de se familiarizar com a literatura deixou-a de lado, pois aquela personagem era de extrema leiguisse, um tipo gentil, acreditando que na verdade as pessoas só precisavam de um sorriso sincero, que invadisse a alma esquecendo-se da sujeira e poeira sertaneja.

Ana achou engraçado alguns livros com poesias de puro escárnio e piadas acerca de personagens inventados para destruir com o âmago de pessoas materializadas. Eram contos, versos que martirizavam todos os que se diferenciavam da lepra venenosa de corvos que se tornaram urubus urbanos.

Ana caminhou por várias horas sem compreender ao certo o que fazia ali e por que não tinha permanecido no seu novo lar. Ana encontrou com várias personalidades fazendo com que seus olhos brilhassem mesmo imersos nas poeiras dos sertões.

Ana sem saber por onde caminhar decide se submeter a um rumo, segue sua viagem até encontrar uma jazida de diamantes. Olhou-os, e preferiu imaginá-los como uma flor do cerrado.

Essa preferência se deu a partir de suas lembranças, mesmo que vagas, de seu passado. Os diamantes ao serem encontrados pelos garimpeiros são lapidados e vendidos a preço alto. A flor do cerrado existe ali, leve, simples, no meio da sequidão dos cerrados do estado de Minas. Se você a arranca logo murcha perdendo a vida e a beleza enquanto existência natural;

Ana caminha mais um pouco e no meio das terras áridas encontra com um espelho suspenso na única árvore sobrevivente do deserto. Para. Olha-o e não se vê. Lembra da sua biblioteca, lembra-se dos escritos de mais de décadas e ao observar melhor não vê sua imagem.

Ana consegue por um segundo lembrar-se do dia que convenceu o seu enfermeiro que ele deveria olhar melhor as fichas de cadastro dos pacientes e nesse entre- tempo Ana lembra que três anos atrás se esqueceu de colocar o trampolim embaixo do edifício de vinte e quatro andares antes de voar com suas asas ganhas de Ícaro.

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