27 de novembro de 2010

Banhando junto aos tatus


A casa não era tão bonita como a da avó. Não tinha alpendre nem janelas cor de azul. Elas na verdade não tinham cor, eram marrom, cor de madeira mesmo. Quadradas e marrons e sem alpendre. As portas me lembro apenas a da cozinha que até hoje é de madeira e pintada de amarela e a da sala me esqueci como era...
__Mãe, as nuvens sempre caem junto com a chuva?
__Não Joana. As nuvens nunca caem e se um dia cairem farão um buraco tão grande na terra que todos morreriam. Pare de olhar pra elas! Há e se tiver a sorte delas não cairem sobre você pode ficar cega com a sua brancura.
__Mas posso olhar só mais um pouco mãe?
__Pode filha. Olha só, vê ali, aquela no rumo do pé de limão...
__Qual mãe?
__Aquela lá ó! Está imitando um cachorro.
__Aquela um gato!
__E a outra uma vaca!
__Uma flor!
__Um peixe!
__Olha só aquelas: é a mãe e a filha! (Pausa breve).
__Mãe as nuvens também tem filhos?
__Sim, igual todo mundo.
__Elas tem nomes?
__Tem. Mas mudam sempre. Preste atenção para você ver, elas podem imitar tudo o que existe no mundo. As nuvens podem ser tudo e todos sempre.
__Por que?
__Porque elas estão perto de Deus.
Eu quero ser uma nuvem. Ter o poder de ser várias coisas. Imagine. Deve ser mais legal que ser gente e ainda ver tudo lá de cima. Eu ia ficar mais alta que os passarinhos e ficaria mais perto da lua. Correria os céus, o mundo todo.
__Mãe, o mundo é grande?
__Sim, filha, é muito grande.
__Que tamanho? Assim?
__Não Joana, bem maior, muito maior, é infinito.
__Mãe que tamanho que é o infinito?
__O infinito não tem tamanho, é infinito.
__Uhn...E onde ele mora?
__Em cima das nuvens. No céu.
Pensando melhor acho que quero ser o infinito, passaria as nuvens, seria amiga de todas elas, não precisaria mais dos pássaros e ainda não teria fim e nem tamanho, estaria além de tudo. Realmente é melhor ser o infinito.
__Mãe, o infinito tem filhos?
__Não, o infinito é sozinho.
Bem não sei mais se queria ser o infinito, mas se bem que veria tudo, conheceria tudo e de todos, estaria onde ninguém mais poderia estar.
__Mãe posso brincar ali na grama?
__Não, fica aqui. Vai chover. É perigoso.
__Como sabe que vai chover?
__É só prestar atenção no barulho do vento e da chuva caindo lá longe. Sinta o cheiro dela chegando.
__Não estou sentindo nada Mãe!
__Fecha o olho filha que você vai sentir o cheiro e ouvir o som dela.
__Mãe, a chuva é brava?
__Não, por quê?
__Oras, porque a senhora falou que é perigoso. Se ela não é má e não é brava porque é não posso ir?
__Porque se tomar chuva fica doente!
__Mãe, por que a vaca não fica doente, nem o passarinho, nem o Fiel, nem o boi, nem as galinhas? Eles todos ficam debaixo de chuva!
__Joana fica aqui olhando sua irmã! Mamãe vai costurar.
Minha irmã dormia como um anjinho no berço. Gordinha, branquinha. Gabriela era muito branca e tinha os cabelos iguais aos anjinhos. Diferentes dos meus que eram pretos, muito lisos e grandes. E minha pele era escura igual ao meu avô, só não tinha aqueles quadradinhos, a minha ainda era lisa. Olhei alguns instantes para o berço. Gabriela dormia. Ela só sabia dormir, poxa! Preguiçosa. Minha mãe estava na sala costurando. Eu ouvia a máquina e o radinho vermelho dela ligado na rádio Nacional de Brasília. Tava passando a novela que ela ouvia todo dia. Olhei pela janela, a chuva caía forte. As galinhas corriam pelo quintal à procura de um lugar pra se esconder. Elas eram tão bobas, podiam ficar na chuva e não ficavam. Espertas eram as vacas que continuavam como se nada tivesse acontecendo. Mas se elas não ficavam doentes eu também não ficaria. E foi então que experimentei pela primeira vez a sensação de contradizer a minha mãe. Pé por pé eu atravessei o salão, a cozinha e quando me encontrei no terreiro debaixo de chuva, saí correndo, passei por debaixo da porteira e corri e pulei e dancei debaixo da chuva. Era fria de fato, mas caíam tão forte sobre minha cabeça, meus braços, que nem sentia o quanto estava frio. Agora sim, mais do que nunca sentia o cheiro da chuva, ouvia o seu som. Quando dei por mim estava dentro de uma enxurrada, nadando junto aos tatus.

trecho retirado da obra JoAna, Ana que anda... (Continua...

2 comentários:

  1. Seu estilo é aconchegante. Dá vontade de deitar nas suas frases! Muito bonito!

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  2. Obrigada Daniel pelo comentário e por seguir o blog.
    Vou olhar o teu tmb.
    Grata
    Tudo de melhor

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