A casa não era tão bonita como a da avó. Não tinha alpendre nem janelas cor de azul. Elas na verdade não tinham cor, eram marrom, cor de madeira mesmo. Quadradas e marrons e sem alpendre. As portas me lembro apenas a da cozinha que até hoje é de madeira e pintada de amarela e a da sala me esqueci como era...
__Não Joana. As nuvens nunca caem e se um dia cairem farão um buraco tão grande na terra que todos morreriam. Pare de olhar pra elas! Há e se tiver a sorte delas não cairem sobre você pode ficar cega com a sua brancura.
__Mas posso olhar só mais um pouco mãe?
__Pode filha. Olha só, vê ali, aquela no rumo do pé de limão...
__Qual mãe?
__Aquela lá ó! Está imitando um cachorro.
__Aquela um gato!
__E a outra uma vaca!
__Uma flor!
__Um peixe!
__Olha só aquelas: é a mãe e a filha! (Pausa breve).
__Mãe as nuvens também tem filhos?
__Sim, igual todo mundo.
__Elas tem nomes?
__Tem. Mas mudam sempre. Preste atenção para você ver, elas podem imitar tudo o que existe no mundo. As nuvens podem ser tudo e todos sempre.
__Por que?
__Porque elas estão perto de Deus.
Eu quero ser uma nuvem. Ter o poder de ser várias coisas. Imagine. Deve ser mais legal que ser gente e ainda ver tudo lá de cima. Eu ia ficar mais alta que os passarinhos e ficaria mais perto da lua. Correria os céus, o mundo todo.
__Mãe, o mundo é grande?__Sim, filha, é muito grande.
__Que tamanho? Assim?
__Não Joana, bem maior, muito maior, é infinito.
__Mãe que tamanho que é o infinito?
__O infinito não tem tamanho, é infinito.
__Uhn...E onde ele mora?
__Em cima das nuvens. No céu.
Pensando melhor acho que quero ser o infinito, passaria as nuvens, seria amiga de todas elas, não precisaria mais dos pássaros e ainda não teria fim e nem tamanho, estaria além de tudo. Realmente é melhor ser o infinito.
__Mãe, o infinito tem filhos?__Não, o infinito é sozinho.
Bem não sei mais se queria ser o infinito, mas se bem que veria tudo, conheceria tudo e de todos, estaria onde ninguém mais poderia estar.
__Mãe posso brincar ali na grama?
__Não, fica aqui. Vai chover. É perigoso.
__Como sabe que vai chover?
__É só prestar atenção no barulho do vento e da chuva caindo lá longe. Sinta o cheiro dela chegando.
__Não estou sentindo nada Mãe!
__Fecha o olho filha que você vai sentir o cheiro e ouvir o som dela.
__Mãe, a chuva é brava?
__Não, por quê?
__Oras, porque a senhora falou que é perigoso. Se ela não é má e não é brava porque é não posso ir?
__Porque se tomar chuva fica doente!
__Mãe, por que a vaca não fica doente, nem o passarinho, nem o Fiel, nem o boi, nem as galinhas? Eles todos ficam debaixo de chuva!
__Joana fica aqui olhando sua irmã! Mamãe vai costurar.
Minha irmã dormia como um anjinho no berço. Gordinha, branquinha. Gabriela era muito branca e tinha os cabelos iguais aos anjinhos. Diferentes dos meus que eram pretos, muito lisos e grandes. E minha pele era escura igual ao meu avô, só não tinha aqueles quadradinhos, a minha ainda era lisa. Olhei alguns instantes para o berço. Gabriela dormia. Ela só sabia dormir, poxa! Preguiçosa. Minha mãe estava na sala costurando. Eu ouvia a máquina e o radinho vermelho dela ligado na rádio Nacional de Brasília. Tava passando a novela que ela ouvia todo dia. Olhei pela janela, a chuva caía forte. As galinhas corriam pelo quintal à procura de um lugar pra se esconder. Elas eram tão bobas, podiam ficar na chuva e não ficavam. Espertas eram as vacas que continuavam como se nada tivesse acontecendo. Mas se elas não ficavam doentes eu também não ficaria. E foi então que experimentei pela primeira vez a sensação de contradizer a minha mãe. Pé por pé eu atravessei o salão, a cozinha e quando me encontrei no terreiro debaixo de chuva, saí correndo, passei por debaixo da porteira e corri e pulei e dancei debaixo da chuva. Era fria de fato, mas caíam tão forte sobre minha cabeça, meus braços, que nem sentia o quanto estava frio. Agora sim, mais do que nunca sentia o cheiro da chuva, ouvia o seu som. Quando dei por mim estava dentro de uma enxurrada, nadando junto aos tatus.
trecho retirado da obra JoAna, Ana que anda... (Continua...
trecho retirado da obra JoAna, Ana que anda... (Continua...
Seu estilo é aconchegante. Dá vontade de deitar nas suas frases! Muito bonito!
ResponderExcluirObrigada Daniel pelo comentário e por seguir o blog.
ResponderExcluirVou olhar o teu tmb.
Grata
Tudo de melhor